É difícil encontrar alguém que não aprecie, em um dia quente, tomar um copo de mate bem gelado ou, num dia frio, uma boa dose de chimarrão. Se a erva-mate já rende tais prazeres, veio da Universidade Federal de Santa Catarina outra boa notícia, que provavelmente aumentará o interesse por seu consumo. O professor Edson Luiz da Silva, do Departamento de Análises Clínicas, comprovou cientificamente que ingerir erva-mate é um hábito saudável, capaz de prevenir doenças relacionadas a altas taxas do mau colesterol, já que apresenta propriedades antioxidantes.
Graduado em Farmácia-Análises Clínicas, áreas nas quais possui ainda os títulos de Mestre e Doutor, Edson Luiz cursou Pós-Doutorado em Lipídeos e Antioxidantes Naturais no National Food Research Institute na cidade japonesa de Tsukuba; e em Antioxidantes Naturais e Aterosclerose no Food Research Laboratory - School of Medicine. na Universidade de Tokushima, também no Japão.
Entre seus trabalhos atuais na “Investigação de Produtos Naturais com Potencial Atividade Biológica”, ele concedeu a AmbienteBrasil, a seguinte entrevista.
AmbienteBrasil - Quais foram os benefícios do consumo de erva-mate atestados em sua pesquisa?
Edson Luiz da Silva - Em seres humanos, a ingestão do extrato aquoso de erva-mate (chimarrão,infusão ou chá) promoveu um aumento da capacidade antioxidante do plasma sanguíneo. Isso é importante porque inúmeras doenças surgem através de mecanismos mediados por radicais livres e, invariavelmente, é resultante de um desequílibrio no sistema de oxiredução, como por exemplo a formação aumentada de radicais livres ou uma diminuição no sistema antioxidante protetor. Assim, ao consumir produtos que aumentam a capacidade antioxidante no organismo os indivíduos estão, de certa forma, mais "protegidos" contra várias doenças.
AmbienteBrasil - De que forma a erva mate “inibe significativamente as reações de oxidação de lipídios no sangue, particularmente a oxidação da LDL”, conforme consta nos resultados da pesquisa?
Edson - A erva-mate é rica em inúmeras substâncias químicas. Dentre elas destacam-se um conjunto de compostos chamados fenóis, ou compostos fenólicos, incluindo flavonóides que também são compostos fenólicos. Esses compostos são excelentes antioxidantes e podem inibir as reações de oxidação de lipídeos, de proteínas, de carboidratos e até do DNA por vários mecanismos, como, por exemplo, pela reação direta com os radicais livres. Nessa reação, os radicais livres são eliminados, ou seja, deixam de ser radicais livres tóxicos para o organismo, e os compostos fenólicos se transformam, por sua vez, em radicais fenólicos.
Porém, esses radicais fenólicos são pouco reativos, sem toxicidade, e são facilmente excretados do organismo ou podem ser regenerados pela ação conjunta da vitamina C. Ou seja, são transformados novamente em moléculas viáveis capazes de bloquear novos radicais livres, num sistema cíclico.
AmbienteBrasil - Como esse processo pode diminuir as chances da pessoa ter enfartes ou AVCs?
Edson - Pela inibição da oxidação dos lipídeos e, particularmente, da LDL (lipoproteína de baixa densidade; do inglês, Low-density Lipoprotein), a qual é uma partícula composta de lipídeos (principalmente colesterol) e proteínas, que está circulando no plasma sanguíneo e que, quando em excesso, (colesterol elevado) acaba se depositando no interior das artérias dando origem ao que chamamos de placa de ateroma ou lesão aterosclerótica. Essa placa de ateroma aumenta de tamanho ao longo do tempo (cerca de 30-40 anos) diminuindo e até bloqueando totalmente a luz do vaso e o fluxo sanguíneo para o órgão alvo, o que vai provocar uma isquemia (falta de oxigênio) e necrose (morte) dos tecidos.
Caso essa lesão aterosclerótica ocorra em uma artéria coronária, o evento denomina-se enfarto do miocárdio (coração), se for em artérias cerebrais ou na carótida, vai provocar o AVC. Na origem das lesões ateroscleróticas, as partículas de LDL precisam sofrer reações de oxidação. Assim, substâncias antioxidantes inibem ou previnem a formação da doença aterosclerótica ao inibirem a oxidação dos lipídeos e da LDL.
A erva-mate parece, realmente, possuir essa capacidade de reduzir a aterosclerose, conforme demonstramos em estudos com animais que desenvolvem a doença após serem alimentados com colesterol. Em coelhos, por exemplo, demonstramos que a ingestão do extrato aquoso de erva-mate inibiu a progressão da aterosclerose (a formação das lesões ateroscleróticas nas artérias) em cerca de 50 %, em comparação com outro grupo de animais que, ao invés da erva-mate, ingeriu água (grupo controle). Em camundongos com aterosclerose, a ingestão do extrato aquoso de erva-mate aumentou de forma significativa a capacidade de contração e relaxamento das artérias, também chamado de reatividade vascular. Esse processo, o qual é vital para a perfeita circulação sanguínea, encontra-se prejudicado em pacientes e animais com aterosclerose porque a substância responsável, chamada óxido nítrico, produzida na própria artéria, foi destruída pelos radicais livres. Como a erva-mate possui compostos antioxidantes, esses bloqueiam os radicais livres e preservam a concentração de óxido nítrico para exercer a sua função na reatividade vascular.
AmbienteBrasil - Como foram feitos os estudos em pessoas?
Edson - Em seres humanos, foi fornecido meio litro de extrato aquoso de erva-mate, preparado na forma de infusão (chá) adicionando-se água quente sobre folhas secas e moídas de erva-mate comercial. Após filtração em papel de filtro e esfriamento, os voluntários ingeriram a bebida e, após uma hora, foi coletada uma amostra de sangue. Nessa amostra foram realizados ensaios bioquímicos laboratoriais de oxidação dos lipídeos e de isolamento e oxidação da LDL. Os resultados foram comparados com ensaios realizados em outra amostra de sangue coletada imediatamente antes da ingestão da erva-mate.
É importante salientar que esse estudo abordou uma situação aguda, ou seja, as determinações foram feitas apenas após uma única ingestão de erva-mate. Considerando que normalmente as pessoas que tomam chimarrão, o fazem constante e diariamente, é preciso avaliar o que acontece após um longo período de tempo de consumo.
Acredito que nesse caso, o efeito antioxidante protetor deve permanecer ainda em maior grau, mas pretendo fazer esse estudo nesse e nos próximos anos com o objetivo também de avaliar outras variáveis de igual importância, como verificar se a erva-mate diminui o colesterol sanguíneo e se melhora a reatividade vascular (diminuição da pressão arterial, por exemplo).
Nos estudos com os animais, o extrato aquoso de erva-mate foi preparado conforme descrito acima e fornecido aos coelhos em bebedouros, ao invés da água. Cada coelho ingere cerca de 400 mL por dia. Os camundongos receberam o extrato de erva-mate através de gavagem (introdução do extrato diretamente no estômago através de uma agulha própria). Concomitantemente, todos os animais receberam uma ração rica em colesterol para a indução da aterosclerose, durante um período de 2 a 3 meses. Após esse período, os animais são mortos e as análises laboratoriais realizadas.
AmbienteBrasil - Existe uma quantidade de erva mate que deva ser consumida diariamente para se auferir esses benefícios à saúde?
Edson - Em princípio, ainda não temos essa resposta de forma precisa, pois os principais resultados foram obtidos de forma aguda, em seres humanos, ou após a ingestão de uma grande quantidade de erva-mate pelos animais, os quais são modelos da doença e que também ingeriram uma grande quantidade de colesterol.
No entanto, podemos fazer uma especulação de que a quantidade normalmente ingerida pela população do Rio Grande do Sul ou do Uruguai, que é de cerca de 1 a 2 litros por pessoa por dia, parece ser adequada. Isso porque essas populações consomem normalmente uma grande quantidade de carne bovina com gordura saturada e essa é, sabidamente, uma dieta aterogênica. No entanto, a incidência de doenças cardiovasculares no Uruguai é semelhante aos países Europeus e no Rio Grande do Sul é semelhante ou menor do que estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Baseado nesse raciocínio, a incidência de aterosclerose no Uruguai e no Rio Grande do Sul deveria ser maior que nos demais lugares. Assim, especula-se que o chimarrão normalmente ingerido possa estar protegendo os indivíduos contra a aterosclerose. Estou chamando de “Paradoxo Gaúcho” em analogia ao Paradoxo Francês, onde o fator protetor parece ser o vinho tinto.
AmbienteBrasil – Mas o senhor já não advertiu que consumir a erva-mate em forma de chimarrão não é adequado?
Edson - Creio que não falei que chimarrão não é adequado. Explico. Existem alguns estudos demonstrando que existe uma incidência maior de câncer de boca, esôfago e laringe na população que consome chimarrão. No entanto, isso se deve à ingestão de água extremamente quente e ao contato com a bomba quente por onde se ingere o chimarrão. Ainda não existem estudos, em seres humanos ou em animais, demonstrando que a erva-mate por si causa câncer. Assim, a recomendação é que a erva-mate seja ingerida na forma de chá, como normalmente são preparadas outras ervas, ou como chimarrão (que para muitos é muito mais saboroso), porém preparado com água entre 75 e 80 graus, não água fervente.
AmbienteBrasil - O chá verde está na ordem do dia como capaz de trazer vários benefícios à saúde. Comparativamente, seus efeitos são os mesmos que os da erva mate?
Edson - Resultados obtidos de estudos in vitro mostraram que a erva-mate apresenta um potencial antioxidante maior que o chá verde, que o chá preto ou que o vinho tinto. Não existem resultados em animais ou em seres humanos, mas acredito que a erva-mate possa, realmente, ser superior ao chá verde porque ela possui uma gama muito grande de substâncias, como vitaminas, minerais, polifenóis e proteínas, enquanto que o chá verde contém apenas polifenóis, chamados de catequinas.
AmbienteBrasil - Antigamente, se dizia que beber mate não é bom para quem sofre de problemas estomacais – gastrite etc... Essa concepção mudou? Ou era “lenda”?
Edson - Desculpe-me, não tenho essa resposta. Em princípio, acredito que o mate pode não ser muito indicado porque, pelo seu sabor amargo, ele estimula a secreção de bile e de suco gástrico, provocando assim, algum desconforto em pessoas com problemas gástricos.
AmbienteBrasil - Até que ponto defensivos agrícolas usados na erva mate podem afetar seus efeitos positivos sobre a saúde?
Edson - Primeiramente, os defensivos agrícolas não vão bloquear diretamente, quimicamente, os compostos existentes na erva-mate e os seus efeitos benéficos. O problema encontra-se nos próprios efeitos tóxicos dos defensivos e que não devem ser ingeridos juntamente com a erva-mate ou com qualquer outro alimento. Ainda não existem estudos ou controle sobre o assunto, mas acredito que, até o momento, a erva-mate comercializada parece ser de boa qualidade, não apresentando esses problemas de contaminação com os defensivos, pois caso contrário, já seriam conhecidos casos entre a população consumidora.
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